terça-feira, 3 de abril de 2012

O Impossível


Ah! essa vida de minha infância, o largo caminho sobre qualquer tempo, sobrenaturalmente sóbrio, mais desinteressado que o melhor dos mendigos, orgulhoso de não ter pátria, nem amigos, que idiotice! - E somente agora o compreendo.- Tive razão ao desprezar esses bons sujeitos que não perderiamocasião de uma carícia, parasitas do asseio e da saúde de nossas mulheres, hoje que elas tão pouco se entendem conosco.Tive razão de todos os meus desprezos: por isso me evado! Evado-me? Eu me explico.Ainda ontem suspirava: "Céus! somos tantos os condenados cá embaixo! Quanto a mim faz tanto tempo que pertenço a essa legião!Conheço-os um por um. Aliás nos reconhecemos sempre; detestamo-nos. Ignoramos a caridade Somos, porém, corteses;nossas relações com o mundo corretíssimas". É assombroso. O mundo! Os mercadores, os ingênuos! - Não estamos desonrados. -Mas os eleitos, como nos receberiam? Pois há criaturas intratáveis e joviais, os falsos eleitos, posto que necessitemos audácia ou humildade para abordá-las. São os únicos eleitos. Não são os abençoadores!Ao recobrar dois cêntimos de razão, - isso passa logo!- constato que os meus males vêm de não haver a tempo refletido que estamos no Ocidente. Os pântanos ocidentais! Não que acredite alterada a luz,gasta a forma, desviado o movimento... Bom! Eis que meu espírito quer a todo o transe ocupar-se com todos os desenvolvimentos cruéis que sofreu o espírito desde a morte do Oriente... Meu espírito assim o quer!...Acabaram-se os dois cêntimos de razão! O espírito é autoridade,ele exige que eu permaneça no Ocidente. Seria preciso fazê-lo calar para eu terminar como desejara.Mandava ao diabo as palmas dos mártires, os esplendores da arte, o orgulho dos inventores, o ardor dos salteadores; retornava ao Orientee à sabedoria primitiva e eterna. - Até parece um sonho de grosseira preguiça! Todavia, não pensava na delícia de escapar aos sofrimentos modernos. Não tinha em mira a sabedoria bastarda do Alcorão. -Mas não é um suplício real depois desta declaração da ciência, que o cristianismo, o homem se engane, se prove evidências, infle deprazer ao repetir essas provas e só assim viva? Tortura sutil, nécia; fonte de minhas divagações espirituais. Talvez a natureza pudesse aborrecer-se! O Sr. Sabe-Tudo nasceu com o Cristo.Não será isto porque cultivamos a bruma? Ingerimos febre com os nossos legumes aquosos. E a embriaguez! O tabaco! e a ignorância eas dedicações! - tudo isto está muito distante do pensamento da sabedoria do Oriente, a pátria primeira? Para que um mundo moderno, se tais venenos se engendram?Argumentarão os homens da Igreja: "Está certo. Mas queres ter e ferir ao Éden. Ora, nada conclui a teu favor na história dos povos orientais". - Mas é isso mesmo; é ao Éden que me refiro! Que significa para o meu sonho, esta pureza das raças antigas!E os filósofos: "O mundo não tem idade. A humanidade desloca-se tão somente. Estás no Ocidente, livre porém de habitar o teu Oriente, por mais antigo que o desejes - e de aí habitar a teu bel prazer. Não sejas um vencido". - Filósofos, vós pertenceis ao vosso Ocidente.Espírito meu, cautela. Abandona os meios violentos de salvação. Exercita-te! - Ah! a ciência não anda assaz ligeira para nós.- Mas compreendo que meu espírito dorme.Se estivesse sempre desperto, a partir deste instante, alcançaríamos logo a verdade que provavelmente nos rodeia com seus anjos em pranto!... - Se até agora tivesse estado desperto, seria porque não havia cedido aos instintos deletérios numa época imemorial!...- Se houvesse estado sempre desperto, eu vogaria em plena sabedoria!...Ó pureza! pureza!É este minuto de vigília que me revelou a visão da pureza! - Pelo espírito vai-se a Deus!Dilacerante infortúnio!


Rimbaud

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